Objetivos e intenções do Onda Negra.

O Onda Negra surge como um desejo de exteriorização de algumas reflexões que estão diretamente ligadas à questão racial. Almejamos com este espaço a problematização e discussão sobre temas como o racismo, o preconceito racial e a discriminação. Possivelmente, veremos também discussões sobre processos que apontam para uma predominância da desigualdade social e racial no nosso país.

Em alguns momentos, apresentaremos sugestões, análises e reflexões de filmes que abordam diretamente ou indiretamente a temática racial, ou, que dialoguem com a mesma. Salientamos que dentro desta proposta não deixaremos de abordar, por exemplo: a questão de gênero, os processos do mundo do trabalho e a questão racial, a questão da violência racial e, principalmente, alguns processos que envolvam reparação e ganhos para a população negra, como no caso das políticas de Ações Afirmativas.

Por último, explicamos que a origem do nome Onda Negra foi pensado a partir do livro da Celia de Azevedo, "Onda negra, medo branco". Nesse livro, a autora estabelece um intenso debate em torno das "questões senhoriais travadas por abolicionistas e imigrantistas ao longo do século dezenove. Decerto esse debate ainda se arrastaria pelo tempo não fosse a intervenção dos próprios escravos com suas ações autônomas e violentas, aguçando os medos da 'onda negra', imagem vívida forjada no calor da luta por elites racistas."

Sendo assim, julguei pertinente fazer uma alusão a esta "onda negra" que se tratava do medo das elites com os retrospectos das lutas anti-escravistas (ou por libertação dos negros escravizados) como por exemplo, a Revolução Haitiana; para tratar dos problemas contemporâneos que envolvem a condição do negro em nossa sociedade. Enquanto as lutas ganham força por ganhos de direitos, por igualdade de condições no mercado de trabalho em relação aos brancos, por políticas de reparação e de inclusão com as Ações Afirmativas, percebe-se que todo esse movimento ainda desperta em alguns grupos da nossa sociedade um incômodo, uma desconfiança e a meu ver um medo.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Pesquisa revela o cotidiano da infância de crianças negras no pós-abolição dos escravos.

Como estas fotos nos dizem tantas coisas. A criança negra invisibilizada mesmo estando na foto. As outras bem vestidas e calçadas e ela, a criança negra, com os pés nos chão. E ainda tem gente que se coloca contra a luta pela igualdade e equidade racial. 
               

Sobre a Foto - Nome: Sem Título
Descrição:
Autor: desconhecido
Título: s.t.
Local: Fazenda do Pinhal – São Carlos
Data: s.d.
Procedência: Acervo Fazenda do Pinhal
Coletado por: Anete Abramowicz



[Foto evidencia que há uma menina negra, provavelmente filha de escravizados da fazenda, com vestimentas claramente distintas das mulheres do barco. A menina está com os pés descalços denotando uma marca da escravidão e da pobreza. O outro momento desta imagem refere-se às letras encontradas acima de cada mulher retratada. A única que não possuía uma letra acima de sua imagem é a menina. Este fato mostra que ela não foi identificada por quem olhou a foto. Esta foto explicita, de certa forma, esta menina não é visível da mesma maneira que as mulheres e também não está oculta (texto da pesquisadora)]



As crianças negras e pobres, principalmente, foram e continuam sendo invisíveis e emudecidas no Brasil. Esta é uma das conclusões de um trabalho baseado em imagense fotografias da criança e de sua infância no século XIX e início do XX, período marcado pela abolição de escravidão negra na sociedade brasileira e a passagem do regime monárquico para a República.

Coordenada pela professora Anete Abramowicz, da Universidade Federal de São Carlose bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, a Pesquisa Representações da Criança e da Infância na iconografia brasileira dos anos 1880-1940 teve o objetivo de retratar comoas crianças foram registradas neste período e reconhecer a fonte iconográfica como um documento legítimo para a construção da história da criança.

Para a pesquisadora, a sociedade brasileira é “adultocêntrica e não há espaço social para as crianças cujas falas não são consideradas como legítimas na ordem discursiva hegemônica”. “Uma das conclusões que chegamos é sobre a invisibilidade das crianças neste período e encontramos também crianças negras em retratos que contemplam cenas da vida cotidiana sem alusão a escravidão e que de certa forma ‘faz fugir’ uma determinada iconografia dominante neste período, marcada pelo pitoresco e exótico da escravidão e pela invisibilidade das crianças na vida social”, afirma a professora Anete Abramowicz.

Na pesquisa, foram utilizados imagens e fotos dos acervos escolares e de museus históricos localizados em São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Bahia, Rio de Janeiro, Paris e Portugal. “Não há no Brasil e também internacionalmente, um trabalho nesta clivagem: crianças e negras representadas. Foi um trabalho que continua até hoje, pois as imagens são bem raras”, ressalta a pesquisadora.



Outra foto que mexeu muito comigo foi esta aqui: 


Nome: Sem Título
Descrição:
Autor: Militão Augusto de Azevedo
Título: s. t.
Local: s. l.
Data: s. d. (entre 1865 e 1885)
Procedência: Museu Paulista da USP
Coletado por: Ione Jovino


A expressividade do olhar desta criança. O que ela deveria estar pensando e achando do momento que vivia, da situação que se encontrava e, principalmente, quando olhava para as outras crianças brancas observando o quanto eram diferentes em todas as condições. Esta expressão não sairá mais da minha mente. Esta expressão certamente continuará me empurrando para que continue firme na luta anti-racista, por uma igualdade e equidade racial neste país. Seja ela nas ruas, no blog, nas instituições públicas e privadas, onde quer que seja. Não posso e não podemos esmorecer. (Escrito pelo autor do Blog)


Confira a entrevista da pesquisadora


Popciência - Quais os motivos a levaram a estudar a representação da criança eda infância brasileira por meio da iconografia?


Em 1960, o historiador Phillipe Ariès escreveu um livro que foi traduzido para o Brasil posteriormente, com o nome História Social da Criança e da Família, e que se tornou uma espécie de marco zero de uma concepção social da criança e da infância. Nesta obra, ele constrói um conceito denominado “sentimento da infância”, que significa o nascimento da particularidade da criança em relação ao adulto, e um sentimento moderno em relação à criança. Este conceito, mesmo tendo recebido inúmeras críticas, pretendeu configurar a história social da criança e da infância, de maneira inédita na historiografia. A metodologia utilizada por Ariès foi a iconografia. Ele mostrou quando e de que maneira as crianças, em especial as crianças filhos dos nobres e as das classes burguesas, aparecem representadas nos quadros dos pintores. Novamente, há muitas críticas metodológicas também a este trabalho. De toda a maneira, resolvemos tomar a iconografia como uma metodologia válida muito eficaz e fomos buscar, a partir de um recorte teórico central raça, imagens de crianças negras no período proposto. Não há no Brasil e também internacionalmente, um trabalho nesta clivagem: crianças e negras representadas. Foi um trabalho que continua até hoje, pois as imagens são bem raras.


Popciência - Por que foi escolhido o recorte nos anos 1880 a 1940 para pesquisa?


Ao propormos um trabalho iconográfico da criança e de sua infância no Século XIX e início do XX, pretendíamos, por um lado, deixar um registro de crianças que raramente foram retratadas especialmente neste período. Por outro lado, reconhecer a fonte iconográfica como um documento legítimo na invenção e contribuição para a construção da história da criança nesse período. As crianças ocupam um lugar aparentemente periférico na história em geral e isso se reflete na dificuldade em encontrar imagens delas e sobre elas. Ao mesmo tempo em que não são elas que escrevem sua própria história e nem são elas que registram suas imagens, as crianças têm sua história contada e retratada por outros. Num primeiro momento da historiografia da escravidão brasileira, as interpretações economicistas obscureceram o conhecimento mais apurado das relações entre os próprios escravizados, assim como destes com os libertos e os brancos pobres. Salvo raríssimas exceções, conforme Jovino (2010), não houve silêncio nem invisibilidade maior do que aquela que incidiu sobre as mulheres e as crianças escravizadas. Corrobora isso um dos trechos do pioneiro trabalho de Mattoso (MATTOSO, Katia Queirós. O filho da escrava. Em torno da Lei do Ventre Livre. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 8, n. 16, p. 37- 55, mar./ago. 1988 p. 38), ao comentar a dificuldade do trabalho com as fontes (no caso inventários post mortem), que não deixam transparecer os aspectos da vida cotidiana, alegando haver um anonimato redutor na escravidão: “o que se pode dizer então das crianças escravas que são duplamente mudas, e duplamente escravas?” Na realidade, quisemos retratar vidas infames que, como diz Walter Benjamin, vidas que não deixam rastros. Esta é na nossa visão sobre o que tem de mais importante nas pesquisas nas áreas das ciências humanas: captar vidas e pontos de vistas que escapam de uma certa historiografia, no sentido de contar a historia da perspectiva dos invisibilizados, dos infames, daqueles cujas vozes não ressoam.


Popciência - Quais foram os acervos iconográficos pesquisados?


Museu e biblioteca da Fazenda do Pinhal (MFP), no município de São Carlos/SP; Instituto Moreira Salles (IMS) e Museu Paulista (MP); no município de São Paulo; Museu Histórico do Município de Dourados/MS(MHMD) e Centro de Documentação Regional (CDR) localizado na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD); Biblioteca Pública do Estado da Bahia; Arquivo Público da Bahia (APB); Museu Regional de Vitória da Conquista (MRVC), órgão suplementar da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e no acervo particular do Sr. Dílson Alves dos Santos em Vitória da Conquista. Em Paris, a Biblioteca Richelieu-Louvois, e, em Portugal, o Museu da Imagem de Braga.

Saiba mais:

ABRAMOWICZ, A.; SILVEIRA, Debora de Barros; Jovino, Ione ; Simião, Lucélio Ferreira. Imagens de crianças e infâncias: a criança na iconografia brasileira dos séculos XIX e XX - doi: 10.5007/2175-795X.2011v29n1p263. Perspectiva, v. 29, p. 263-293, 2011.

ABRAMOWICZ, A.; RODRIGUES, T. C.; JOVINO, I. S. ; OLIVEIRA, F. DE. Representations of children and childhood in Brazilian Iconography. In: 21st annual conference EECERA, 2011, Genebra. Education from birth: Research, Practices and Educational Policy. Genebra: European Early Childhood Education Research Association, 2011. v. 1. p. 1-405.

ABRAMOWICZ, A.; RODRIGUES, T. C.. Imagens de crianças e infâncias: a criança da iconografia brasileira do séculos XIX e XX:. In: LASA Rethinking Inequalities, 2009, Rio de Janeiro. LASA Rethinking Inequalities, 2009. v. 1. p. 1-15.

Ione da Silva Jovino. Crianças Negras em Imagens do Século XIX. 2010. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de São Carlos, Orientador: Anete Abramowicz.



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10 comentários:

  1. A realidade da história negra, precisamos de professores no ensino médio e fudamental para que seja mostrados esses fatos para formar uma consciência realistica da luta de um povo contra o racismo.

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  2. O Blog é uma aula sobre a história da raça negra, espero um dia vê-lo dando palestra em muitas universidades e aos professores de ensino médio e fundamental. Seria a história real sendo divulgada didaticamente para todo Brasil. Avante! Abraços.

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  3. Muito legal o blog parabéns, Silvio voce sabe alguma coisa sobre o movimento serpente negra em Minas Gerais, ate agora nao encontrei nada a respeito . E´ sobre policiais militares negros que se revoltarao por melhores condiçoes de trabalho e salário, se souber fala ai pra gente ,

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    1. Olá, Alan. Fico feliz que tenha gostado do blog Onda Negra e das temáticas que busco abordar, discutir e avançar com ele. Valeu mesmo. Sobre o movimento serpente negra, eu confesso que não tenho nenhuma informação sobre ele. Mas também lhe informo que fiquei curioso e estarei de olho se nas minhas leituras, em publicações de outras páginas ou de outros estudiosos, possa aparecer sobre o movimento serpente negra em Minas Gerais. Aparecendo, eu dou um jeito de te avisar e quem sabe postar algumas coisas sobre ele. É isso, meu caro. Seja bem vindo ao Onda Negra e até a próxima.

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  4. Hoje pleno seculo XXI não há mais razão para pensamentos xonofilos e despropositados, a raça é humana a cor pode ser diferente, mas não nos esqueçamos que todos respiramos o mesmo ar

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    1. Olá Luis,

      Primeiramente, obrigado por ter curtido e comentado no Onda Negra. Sobre seu comentário, quero te dizer que entendo perfeitamente sua posição. Mas, só reforço que no nosso país ainda existem espaços em que, infelizmente, boa parte dos negros são discriminados e impedidos (in) diretamente de compartilhar do ar de determinados ambientes. Principalmente se este ambiente for elitizado e em áreas nobres de muitas cidades deste nosso país. Fico por aqui meu caro. Até a próxima.

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    2. O perigo desse tipo de pensamento, por mais bondoso que possa ser, é justamente encobrir uma realidade que ainda existe e é gritante. As diferenças entre brancos e negros (assim como paulistas e nordestinos, ricos e pobres) não é somente a de não participarem dos mesmos locais elitizados, mas toda a brutalidade que o aparato sócio-econômico usa para eliminar negros e pobres de áreas consideradas nobres, incluindo o extermínio. A gentrificação também atinge justamente os mais pobres e os negros.

      Desta forma, dizer que não há razão para pensamentos xenófilos é não somente negar a existência deste sentimento como também repudiar a necessidade de se lutar conta ele.

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  5. Olá, meu nome é Mariana Medeiros, me emociono muito com essa realidade que é o racismo no Brasil e no mundo. Quando estudo ou vejo imagens que me denunciam que vivemos em um país de desigualdade racial, parece que me dói a alma. Gostaria de poder me interar mais sobre e fazer parte de algum grupo que estude mais a fundo o preconceito e as ações racistas. Att, Mariana Medeiros

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    1. Olá Mariana,
      Primeiramente, seja bem vinda!
      Sobre sua dor ao se deparar com situações, estudos e relatos, que nos mostram o quanto foi cruel a escravidão, eu consigo compreender. Esse conhecimento da nossa história sempre mexe com a gente. O que te digo é que precisamos nos manter firme, com um pensamento e uma postura sempre alerta para que não esmoreçamos na luta contra o racismo. Sem falar na luta contra a desigualdade racial e social. Mariana, sobre a questão de um grupo de estudos, eu não consigo te indicar. Geralmente em algumas universidades tem grupos de estudantes que fazem parte de NEAB's, quem sabe você consiga alguma entrada. O que poderia te recomendar para que se mantenha inserida em algumas discussões é acompanhar e interagir aqui no blog, na minha página do facebook - segue o link: https://www.facebook.com/pages/Onda-Negra/339587909509736 (lá tem um fluxo mais constante de informações) e se puder dá uma acompanhada na lista de blogs que tem indicada tanto aqui no blog quanto na minha página do face. É isso minha cara. Fico por aqui e espero ter ajudado. Vamos que vamos pois a luta continua.

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